SDvsSA II

por
José Soudo - n. 1950
Fotógrafo. Curador. Investigador independente em História da Fotografia.
Mestre em Fotografia Aplicada.
Título de Especialista em Meios Audiovisuais e Produção dos media..
Jan 2022
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EsboÇo do princípio físico da camera obscura - Codex Atlanticus (1515)



Fazendo a ponte com o texto anterior, parece que titulei com o código sintético de algum novo sistema digital que está para ser lançado no mercado. Só que não é assim, apenas abreviei o título:

Suportes Digitais versus Suportes Artesanais II


Continuemos então, com a reflexão sobre o que ainda não sabemos responder, em relação às possíveis evoluções dos sistemas digitais em fotografia, durante o século XXI.
Vale a pena pensarmos na evolução dos múltiplos processos fotográficos, que surgiram e desapareceram durante as primeiras décadas do século XIX.
Todos foram óptimos, nos resultados e nas qualidades.
Todos foram mais ou menos difíceis ou mais ou menos fáceis de execução.
Tudo depende do ponto de vista.
Na prática, todos foram recuperados e utilizados por artista e fotógrafos contemporâneos, em virtude das suas potencialidades plásticas e estéticas.
Vejamos dois ou três casos paradigmáticos.
Fotógrafos, cineastas e designers, como Alexandre Rodchenko (1891-1956) ou El Lissitzky (1890 - 1941), construtivistas da Escola Soviética, artistas com A de Artista muito grande, usaram e aplicaram o processo da cianotipia, do qual vos dei a fórmula mais elementar de utilização, no texto anterior.
O surrealista Man Ray (1890 - 1976), também usou e abusou, entre tantos outros.
A procissão, ainda agora vai no adro, pois também nós nos podemos deslumbrar noutros tons, a partir da cianotipia.
Nada mais simples do que após a lavagem adicionarmos um pouco de água oxigenada, da mesma que se utiliza para falsificar loiras e loiros.
Se acharem que em azul forte não agrada, ainda se pode continuar o processo.
Branqueemos o resultado em carbonato de sódio (10 gr para 1 litro de água).
Após o desaparecimento quase total da imagem, há que transferi-la para uma solução de ácido tânico (90 gr para 1 litro de água).
No resultado final, a cianotipia vai aparecer-nos em tons de preto e branco purpúreo.
Como observação, convém não esquecermos as lavagens entre químicos e também na fase final.
E os outros suportes fotossensíveis, e respectivos processos químicos e os seus autores?
Como curiosidade aqui seguem alguns dos processos fotográficos artesanais dos primeiros anos de século XIX e não só, respectivos inventores e datas mais comuns de utilização:
Heliografia de Joseph Nicéphore Niépce - 1816 a 1840;
Calotipia de William Henri Fox Talbot - 1841 a 1860
Papel Salgado de William Henri Fox Talbot - 1820 a 1860
Daguerreotipia de Jaques Mandé Daguerre - 1835 a 1860
Positivo Directo de Hippolliyte Bayard - 1839 a 1848
Colódio Húmido de Frederick Scott Archer - 1851 a 1880
Ambrotipia de Frederick Scott Archer - 1853 a 1870
Ferrotipia de Adolph Alexandre Martin - 1856 a 1887
Goma Bicromatada de John Pouncy - 1858 a 1940
Albumina de Desiré Blanquart Evrard - 1850 a 1895
Impressão a carvão de Louis Alphonse Poitevin - 1860 a 1940
Platinotipia de William Willis - 1873 a 1930
Aristotipia com colódio seco de Wharton Simpson - 1885 a 1940
Aristotipia com citrato e gelatina de Abney e Liesegang - 1885 a 1940
Halogenetos de prata em emulsão gelatinosa de Richard Leach Maddox - desde 1871
Tricromia de Louis Ducos du Hauron - 1861 a 1890
Autocromia de Auguste e Louis Lumiére - 1895 a 1915
etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc.etc.


E com estes etc.’s todos vos deixo, não sem antes lembrar, que não esgotámos, nem de longe nem de perto, todos os processos fotográficos utilizados durante o século XIX, provavelmente à semelhança do que está a acontecer com os sistemas digitais ao longo dos finais do século XX e inícios deste nosso século XXI.


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Bayard o afogado/ Bayard o ignorado


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Bayard - o afogado e a sua carta-manifesto de 18 de Outubro de 1840


De novo às voltas com as questões dos suportes digitais e os seus caminhos evolutivos para o futuro, relembro uma pequena história política, que poderia ter dado consequências diferentes no evoluir da fotografia, só que não deu.
Esta história do século XIX é duma época em que tudo era novidade e experimentação, tal como agora.
O físico Arago, deu mais ouvidos e importância ao processo fotográfico de Daguerre e ignorou quase por completo, o projecto que lhe foi apresentado por Bayard.
Razões políticas, económicas, morais, afectivas ou outras, motivaram Arago nas suas decisões.
Em Janeiro de 1839, este tinha sido visitado por Fox Talbot, que tomou conhecimento pela imprensa da época, que a França iria divulgar um processo inovador de desenhar com luz.
Neste encontro, Talbot deu manifesto de que já ensaiava um processo de obtenção de imagens com o auxílio da camera obscura e que as mesmas ficavam em negativo, algo de oposto ao processo de Daguerre, pois neste a imagem obtida era logo em positivo.
Sobre tudo isto dissertar-se-á num possível próximo texto. 
A propósito, o Bayard de que vos falo, nada tem a ver com o das pastilhas para a tosse ou para a constipação.
Este é outro. Talvez mais discreto. Empenhado noutro tipo de actividades, capaz de inventar um processo fotográfico ultra-rápido para a época e com possibilidade de produzir positivos directos após a processamento químico. Uma espécie de Polaroid do século XIX.
Quando Arago tomou a decisão de só apresentar na Academia de Ciências de Paris o processo de Daguerre, estava longe de imaginar que ia ser responsável pela execução da primeira imagem fotográfica encenada da história contemporânea, marcando definitivamente o sentido da evolução da actividade fotográfica.
Bayard reagiu com desgosto ao reconhecimento público pelo Estado Francês de …

...a Daguerreotipia como uma nova arte de desenhar…


(Excerto da revista Panorama, publicada em Lisboa, em 16 de Fevereiro de 1839)

Este reconhecimento aconteceu após a célebre assembleia da Academia de Ciências e de Belas-Artes e dos Deputados, com a presença do Rei, no Parlamento em Paris, a 19 de Agosto de 1839.
Bayard em 18 de Outubro de 1840, encenou a sua morte por afogamento, executou um auto-retrato e acompanhou-o do seguinte texto:
“…O cadaver do cavalheiro que se vê do outro lado pertence ao Sr. Bayard, inventor deste maravilhoso processo, cujos resultados acabou de ver ou que irá ver…
Tanto quanto se sabe este engenhoso e infatigável pesquisador, demorou cerca de três anos em investigações para aperfeiçoar a sua invenção. Embora ele considere os seus desenhos imperfeitos, tanto a Academia, como o Rei, assim como todos os outros que os viram, ficaram profundamente admirados, tal como os está a admirar neste momento o que muito o honrou, mas não lhe valeu nada.
O governo tudo deu ao Sr. Daguerre e afirmou que nada poderia dar ao Sr. Bayard.

Por esse motivo o pobre afogou-se…”
…esquecido no necrotério por vários dias, ninguém foi reconhecer o seu corpo.
 Senhores Deputados, é melhor não terem receio de ofender o sentido do olfacto, pois como se pode observar, o rosto e as mãos do cavalheiro estão a começar de apodrecer e a cair…

Paris, 18 de Outubro de 1840


Em abono da verdade se diga que Bayard não se afogou, apenas simulou a sua morte, como manifesto político e em total desacordo com a atitude de Arago, que tinha uma estratégia comercial estabelecida com Daguerre e por tal motivo, afastou toda e qualquer possível concorrência, que lhes pudesse ofuscar os sonhos de lucro e grandeza.
Daguerre em contra-partida ficou com uma pensão vitalícia e viveu à grande e à francesa, o que não é de espantar, pois o mesmo residia em Paris.
Quanto a Bayard, no ano seguinte converteu-se à daguerreotipia, o que não deixa de ser uma vicissitude do destino.

José Soudo
janeiro de 2022
 


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