Constituiu há exatamente 40 anos um empreendimento cultural singularíssimo, porventura inédito no mundo. Quatro jornalistas profissionais da Imprensa diária, amantes da Fotografia, uniram-se para fundar um jornal com expansão nacional, dirigido aos fotógrafos do País, fossem amadores ou profissionais e abrangendo todas as expressões e áreas de atividade, da arte ao fotojornalismo. Com periodicidade mensal e 32 páginas, muitas das quais a cores, o jornal tinha uma distribuição similar à dos semanários e mensários de informação geral, acrescendo os estabelecimentos do comércio fotográfico nas principais cidades. O êxito foi retumbante. A tiragem inicial de três mil exemplares era aumentada quase mês a mês até estabilizar no início de 1979 nos sete mil (dez mil em duas edições especiais). Também o preço de venda aumentou, de 25 escudos para 40, porquanto se abandonara entretanto o papel de jornal para um outro de elevada qualidade. O núcleo fundador de jornalistas (Pedro Foyos, Maria Augusta Silva, João Aguiar e Victor Dimas) acolheu logo de início dois grandes fotógrafos e colaboradores primordiais do empreendimento: Armando Cardoso e Fernanda Cardoso. Fernanda, João e Victor partiram muito cedo para estrelas longínquas. Dos sobrevivos, apenas o Armando e eu próprio mantemos o possível dinamismo criativo no plano da fotografia de arte, com extensão não menos magnificente, no que respeita ao Armando, à área do web design. O êxito de Foto-Jornal incentivou a equipa a convertê-lo numa revista — Nova Imagem — também mensal, cuja excelência gráfica e vigor jornalístico ampliou o número de leitores, suplantando o público restrito à área fotográfica. A revista ombreava com as melhores do género a nível mundial, tendo sido premiada duas vezes pela Federação Internacional de Arte Fotográfica, também pela Associação Portuguesa das Indústrias Gráficas. Empresa editorial de sucesso, o apogeu verificou-se nos anos de 1981 e 1982 com novos lançamentos: um Anuário Português de Fotografia e uma segunda revista — a Foto-Profissional. Entretanto, mercê de acordos com grandes editoras estrangeiras, começaram a ser distribuídas em Portugal algumas obras de referência, em língua francesa e inglesa. E é inaugurada numa artéria nobre de Lisboa, em cooperação com a empresa Fotocolor, uma Fotolivraria, novo cometimento nunca visto no País. Todavia, no final de 1983, a pátria começa a ser varrida por ventos uivantes que ameaçam não deixar pedra sobre pedra. Portugal recorre pela segunda vez ao FMI. Abatem-se sobre os cidadãos cruentos pesadelos financeiros. Agravam-se dramaticamente, a partir de 1984, as condições de vida dos portugueses. O último subsídio de Natal já sofrera um corte substancial. Multiplicam-se as falências, o desemprego dispara, torna-se drástico o aumento dos preços de bens essenciais. À Redação da revista Nova Imagem chegam angustiosos portefólios de jovens fotógrafos em que o tema dominante são manifestações com bandeiras negras. Esse foi o tempo das bandeiras negras içadas por todo o País. Também as publicações fotográficas sofrem num grau extremo a retração publicitária. Na transição de 1983 para 84 as receitas consignam uma redução de 80 por cento. A primeira a soçobrar é a Foto-Profissional. António Coimbra, administrador da Kodak Portuguesa, tem o gesto cortês de me comunicar pessoalmente a impossibilidade de aquela multinacional continuar presente na contracapa. Também Orlando Rego, um bom amigo, gerente da firma Profoto, então um dos baluartes do comércio fotográfico, vê-se obrigado a cancelar o plano anual de exclusividade do espaço do verso da capa. Os produtos fotocine são considerados sumptuários, o agravamento dos preços deixa desertas as lojas do ramo. A mesma retração publicitária ocorre logo depois com a revista Nova Imagem. A alternativa de duplicar o preço de venda afigura-se impraticável. A publicação resiste aflitivamente, e em derradeiro salvatério vai desfigurando-se diminuindo a qualidade do papel e o número de páginas. Exangue, o fôlego esgota-se e eu lego aos leitores um extenso historial das vicissitudes. Escrevo, a terminar: «Tantas miragens frustrantes se nos têm deparado nos últimos tempos que hoje confiamos quase tão-só na dedicação dos leitores. Mas esse foi sempre, e continuará a sê-lo, o mais importante estímulo para o nosso trabalho. Um estímulo e uma inexorável razão de vida durante muitos anos; agora, uma razão para não morrer». Inelutavelmente, morreu. Morreu velada por largas centenas de mensagens solidárias. No Porto correu uma circular na qual os assinantes se propunham duplicar ou mesmo triplicar o valor das assinaturas enquanto o «mau momento» não passasse. Não era um «momento» e não passou. A "crise" viera para se demorar. Todos os dias e por todo o lado a morte se passeava vestida da mesma cor das bandeiras revoltosas. Apenas o Anuário Português de Fotografia perdurou até 1988, num trabalho solitário do seu diretor. A dificílima situação financeira impusera a dispensa da totalidade dos colaboradores. Por fim, regressei à Redação do Diário de Notícias, de que me retirara para abraçar o empreendimento foto-editorial. Um tempo doloroso. Terrível. Quando, no terço final da década, o País começa a reerguer-se, já não era possível recomeçar. Não era possível construir o que quer que fosse sobre o mar de cinzas em que se convertera o sonho belo germinado dez anos antes. Mas permanece a paixão pela Fotografia. Só morrerá comigo, no dia final. E daí… quem sabe?...
Com a humildade de quem reconhece não ter direito a pregão vivo na cidade, tão só a grampo ou mola de roupa à ponta do cabeçalho, enaipado com outros no quiosque, dizemos: aqui estamos. Estreantes no escaparate ou na banca de jornais à beira da circulação urbana, aqui estamos com a imodesta certeza de que nos pertence um espaço nesse mundo do papel impresso. Recém-chegados, de nós se esperará o rito habitual dos noviços, a apresentação — quem somos, o que queremos, para onde vamos. Pois bem, comecemos. Somos um jornal de Fotografia, também de Cinema. Mas há lugar — perguntar-se-á — para um jornal com essa fisionomia, em Portugal? Já dissemos que sim e é nosso propósito muito firme prová-lo. Mais do que um prognóstico apaixonado, confrontamos resultados aferidos ao longo de um exaustivo trabalho de prospeção e consolidados numa força numérica. Conhecemos, de facto, a grandeza da parcela populacional que se dedica às atividades fotográficas, e nunca como hoje esses praticantes careceram tanto de apoio face ao áspero panorama dos custos dos materiais. Contra a situação de violência administrativa que se abateu sobre esse sector do comércio, cada vez mais asfixiado pela catadupa arrasadora de taxas e de impostos, lutará de imediato este novo jornal, com quanta força de voz puderem conter as suas páginas. Um jornal de Fotografia e Cinema? Decerto: em nome da Cultura, preserve-se este país da condição tristíssima de ter sido, até agora (excetuando o período de edição simultânea de três malogradas experiências) o único da Europa a não possuir uma publicação periódica do género (para quem franzir o sobrolho, diremos que se edita, na Turquia, uma revista fotográfica com periodicidade mensal...). Aqui estamos, com um nome: Foto-Jornal. Em Portugal. Apesar de tudo. A equipa que deu corpo a este projeto tem consciência das grandes limitações e adversidades que o mesmo encerra. Idealizamos e ambicionamos, naturalmente, ir mais além. Mas não nos tentaremos, como a rã da fábula, a imitar o boi. É essencial saber condicionar os sonhos a um sentido realista das possibilidades e não perder o caminho — o único, exato e viável — que é integralmente suscetível de ser percorrido com segurança. Por isso, apresenta-se esta publicação com um figurino bastante diferente daquele que caracterizou as tentativas editoriais anteriores, com as quais não tem, é oportuno sublinhar, qualquer ligação. Prevenidos estamos de algumas miragens perigosas que aniquilaram belos sonhos embalados primorosamente em papel couché. Foto-Jornal é, em rigor, isso mesmo, um jornal — mas tal circunstância, que tecnicamente pode sofrer a carência dos altos apuros qualitativos indispensáveis a uma revista moderna, será compensada, no maior grau possível, com uma atratividade gráfica inusual nos modelos congéneres que circulam entre nós. Esta premissa determinou a opção pelo sistema offset e a prática de reprodução de fotografias a cores. O projeto de realização do Foto-Jornal integrou ainda um esquema redatorial inédito no âmbito da nossa Imprensa de especialidade. Com efeito, um núcleo extenso de especialistas, em diversos sectores chave, laborará com o apoio de uma equipa de jornalistas profissionais, cuja participação no processo de feitura do jornal proporcionará uma correta e atraente expressão informativa. Por outro lado, Foto-Jornal propõe-se criar uma rede de correspondentes, que incluirá os principais centros mundiais fotográficos, estando previstos, igualmente, exclusivos de algumas das mais prestigiadas publicações estrangeiras. Como é compreensível, o cenário nacional envolverá, dominantemente, o conteúdo destas páginas. Foto-Jornal nasce convicto de que lhe compete o desempenho de um papel importante na vitalização do panorama fotográfico português. Todavia, o empreendimento não deve confinar-se ao grupo redatorial que impulsiona esta publicação, por mais firme e fecundo que se mantenha o seu labor. Tem, antes, de ser fruto da ação empenhada do vasto sector populacional que exerce, quer a um nível amador quer profissional, a Fotografia e o Cinema, e que acredita na validade da existência de um órgão informativo difusor dessas atividades. Por tal razão, de todos esperamos uma crítica, um aceno de orientação, uma vontade determinada de valorizar e divulgar este jornal. Ele será tanto mais completo e atuante quanto for a expressão do interesse e participação dos seus leitores. É fácil, aliás, antever que assim irá suceder, a avaliar pelas numerosas provas de dedicação, esperança e incentivo recebidas nas últimas semanas, desde que começou a anunciar-se o próximo aparecimento do Foto-Jornal. Tudo faremos para ser dignos dessa confiança e não iludir nunca as esperanças que acompanham a nossa aparição. Partimos na convicção de que este jornal irá possibilitar um efetivo alargamento dos conhecimentos de quantos se dedicam ao exercício da Fotografia e do Cinema, e que será um lugar vivo, um centro de convívio, um elemento de união entre os que nele procurem um apoio e um estímulo à criatividade. Aqui estamos com um nome: Foto-Jornal. Começamos sem direito a pregão na cidade, é certo, mas que orgulho sentimos, amigos, em reencontrar, a partir de hoje, na abada de porta de uma tabacaria, com molas de roupa às orelhas, o nosso sonho realizado.
Pedro Foyos
O Pedro Foyos, para quem a Fotografia é, decidida e irremediavelmente, o seu primeiro e grande amor, resolveu, sem mais aquelas, ir buscar-me para jantarmos num sítio tranquilo e oferecendo, quanto possível, pratos vegetarianos. Escusado será dizer que, logo de entrada, e em lugar de um bom aperitivo, apanhei com uma dose de sabedoria sobre os movimentos culturais fotográficos. Era preciso aguçar o apetite... Depois, em vez de uma sopinha de legumes, quente e bem apurada, apareceu o senhor Nièpce, com Daguerre de intermeio — assim uma espécie de sanduíche bem aviada. E, enquanto as glândulas salivares trabalhavam em seco e os maxilares ganhavam ferrugem, o bom do Foyos, sempre inconformado com uns senhores que ainda teimam em fechar os olhos às realidades, sai-se com esta: Que tal a ideia de se tentar publicar um jornal especializado em Fotografia? Juro que não escancarei a boca até às orelhas. Fiquei serena e comecei, com gosto, e finalmente, a saborear o que entretanto chegara à mesa de mastigável a sério. O que poderia eu dizer? Antecipadamente sabia que não o demoveria. O Foyos limitar-se-ia, neste caso especial, a respeitar pura e simplesmente a minha opinião. Só que as opiniões eram, e quiçá desgraçadamente, convergentes. Estava decidido: sacrifícios sem conta. Muito trabalho. Contrariedades. Empenhamento. Uma luta dura e difícil. E ao meu cúmplice silêncio, o Foyos toca de responder apenas este mimo: Vai chamar-se Foto-Jornal. Tudo começou deste jeito. Quatro loucos da Fotografia (ele, a Fernanda e o Armando, por «Cardosos» mais conhecidos, e eu) vá de levar por diante o projeto, roendo as unhas de quando em quando, mas sem desencorajamentos. A completar o quarteto fundador, e a constituir o grupo redatorial efetivo, apareceram os jornalistas João Aguiar e Victor Dimas. Ora bem, estava a equipa formada, juntamente com o João Joaquim (mais conhecido por J.J), senhor magrinho e organizado, a quem o Foyos, muito subtilmente, foi dando uma injeção de negativos e positivos, à mistura com um bombardeamento de perguntas contabilísticas que iam deixando o J.J. cheio de cabelos brancos. Depois, houve que descobrir colaboradores. Dos fixes. Dos que também escrevem. E bem. Por último, entra-nos pela porta um tal Ferreira, sorridente e solícito, que até percebia de carpintaria e de instalações elétricas, punha as lâmpadas todas a funcionar, arranjava gravadores e máquinas de escrever, tudo isto, obviamente, para lá da estafa que era a expedição do jornal, porque, felizmente, os leitores eram muitos e exigentes. Uma equipa admirável que o Foyos já levava na "manga" quando me fez estar a mastigar em falso mais de meia hora para dar largas ao seu sonho. Afinal, ao nosso sonho. Por adversidade cruel e inesperada não me foi possível assistir, em carne e osso, ao "parto" do Foto-Jornal. O Pedro, porém, prontamente mo enviou e com sofreguidão o li e reli na cama de um hospital londrino. Pensei então: Há de ter a vida que nos for possível, a todo o custo, dar-lhe. Continuará em defesa dessa maravilhosa expressão cultural e da inigualável força de comunicação entre os homens e os povos que é a Fotografia. E continuou, não tanto por mérito nosso, mas, sobretudo, pelo apoio dos milhares de amigos que há 40 anos nos acompanharam nessa aventura inolvidável.
O seu endereço de mail não será publicado, mas é indispensável a sua indicação Your email address will not be published. Required fields are marked *